Um dos alimentos
mais consumidos no planeta, o sorvete, por incrível que pareça, surgiu muito
antes da primeira geladeira. Sua origem é cheia de controvérsias e lendas, mas
a versão mais aceita atribui sua autoria aos chineses, por volta de 1000 a.C,
quando, talvez, algum cozinheiro criativo experimentou usar flocos de neve para
produzir uma iguaria diferente. Animados com o resultado, ao longo dos séculos,
foram experimentando... Um outro
resolveu colocar uma pasta de leite de arroz e especiarias na neve para que
solidificasse, e por aí foi.
Alguns
pesquisadores afirmam que foi Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), rei da
Macedônia, o introdutor do sorvete na Europa, trazendo do Oriente uma mistura
de salada de frutas embebida em mel que era guardada em potes de barro
enterrados no chão e mantidos frios com a neve do inverno. Outra corrente de
pesquisadores atribui esse feito aos árabes, que teriam aperfeiçoado a receita
chinesa com o desenvolvimento da técnica de incorporar a neve ao suco de frutas
e ao mel. Até então, a receita primitiva apenas acrescentava os ingredientes à
neve, produzindo algo muito semelhante às atuais "raspadinhas".
Turcos e árabes garantem que "sorvete" é uma palavra de origem árabe,
procedente de sharbat, que significa "bebida fresca".
O fato é que
diversos registros comprovam o consumo do sorvete na Antigüidade. Babilônios,
egípcios, gregos e romanos deliciaram-se com esta guloseima fria cuja
preparação, entretanto, era muito complicada e cara, o que fazia do sorvete um
prazer para poucos, só desfrutado por reis e pessoas privilegiadas da época.
Exigia que se trouxesse neve do alto das montanhas, que ela fosse armazenada em
buracos na terra revestidos de madeira onde o gelo era comprimido e coberto com
palha para que se conservasse.
Marco Pólo também
trouxe sorvete da China
Com a decadência da
cultura antiga, entretanto, o consumo do sorvete se perdeu no tempo, até o
final da Idade Média, época em que volta à cena por obra, dizem alguns
historiadores, do mercador veneziano Marco Pólo que, em 1295, teria trazido da
China, junto com o macarrão e o arroz, algumas receitas de sorvete à base de
água, muito parecido com os atuais.
Outros autores
acreditam que o sorvete tenha chegado à Itália pela Sicília, ao sul, trazida
pelos árabes que dominaram a ilha no século 9.
Provavelmente, tenha acontecido das duas formas.
O que conta mesmo é
que o sucesso foi total. Difundiu-se por toda a Itália, entre a realeza e a
aristocracia italianas que logo adotaram os gelados de fruta como um prato de
luxo, cujo preparo era considerado uma sofisticada arte. Através dos mestres
sorveteiros italianos, que guardavam com extraordinário cuidado suas receitas,
o conhecimento dos gelados difundiu-se lentamente pelas cortes européias,
mantendo-se um privilégio exclusivo dos poderosos.
Chegou à França em 1533, com Catarina de
Médici que, ao se casar com o rei francês Henrique II, levou em sua bagagem
receitas e chefes de cozinha que lhe serviam, diariamente, sorvetes dos mais
diversos sabores de frutas. A neta de Catarina de Médicis casou-se em 1630 com
Carlos I da Inglaterra e, segundo a tradição da avó, também introduziu o
sorvete entre os ingleses. Em Portugal, o sorvete chegou durante o período de
dominação espanhola (1580-1640) e faziam sucesso as bebidas nevadas, embora
fosse difícil e caro trazer neve da Serra da Estrela para a corte em Lisboa.
Por volta de 1715, no reinado de D. João V, havia inúmeros fabricantes de
sorvete na capital portuguesa.
Em 1550, Blasius
Villafranca, físico espanhol radicado na cidade italiana de Florença, descobriu
ser mais fácil congelar a mistura de suco de frutas e especiarias juntando
azotato de potássio (salitre) à neve (técnica já conhecida dos chineses desde o
século 12). Essa descoberta deu origem ao que poderia ser chamada de primeira
sorveteira da História: dois recipientes de madeira e estanho - um maior, dentro do qual se
colocava a mistura de neve, sal e salitre, e outro menor, que recebia os
ingredientes que, depois de batidos, virariam sorvete. Com este rudimentar
equipamento e utilizando um método difícil, Villafranca acabou legando aos
florentinos a honra de produzir os primeiros a sorvetes completamente
solidificados da História e ampliaram a produção democratizando um pouco o
consumo do produto.
O leite entra na receita
Segundo a Grande
Enciclopedia Illustrata della Gastronomia (Selezione dal Reader's Digest,
Milão, 2000), até meados do século 16, o sorvete continuava a ser preparado com
água, ou seja, sem leite ou ovos. Só um século mais tarde, em 1671, na
Inglaterra, o leite ou seu creme, ovos e aromatizantes foram incorporados ao
sorvete pelo francês DeMirco, pâtissier do rei Carlos II que, diante de uma
novidade tão espetacular, tornou ilegal o consumo da iguaria fora da corte real
e, dizem, para se garantir, até morrer, em 1685, pagou royalties ao chef pela
criação, para que esta fosse exclusividade da sua mesa.
Não se sabe ao
certo se o chef DeMirco cumpriu sua palavra, mas, morto o rei, o segredo não
durou muito. Um ano depois, 1686, o siciliano Francesco Procópio dei Coltelli
inaugurava, em Paris, o Café Le Procope, a primeira cafeteria e sorveteria da
cidade (que funciona até hoje), tornando o sorvete uma delícia acessível a
todos que quisessem e pudessem pagar por ela. A casa oferecia 80 variedades,
produzidas com uma máquina inventada por Procópio, que homogeneizava os
ingredientes gerando um sorvete muito similar ao que conhecemos hoje.
A primeira
sorveteria da Inglaterra foi aberta em 1757, na
Berkeley Square, Londres, pelo chef-pâtissier italiano Domenico Negri,
com o nome de Pot & Pine Apple.
Em 1768, é
publicada na França "A Arte de se Fazer Sobremesas Geladas", (L´art
de bien faire les glaces d´office) . Primeira publicação no Ocidente que
revelava receitas e explicações teológicas e filosóficas para o fenômeno do
congelamento da água e fabricação de sorvetes. Os árabes num de seus tratados
antológicos de cozinha, escrito no século 11, por Wusla Hila al Habib, já
dedicava uma seção inteira ao sorvete.
A delícia gelada
cruza o Atlântico
O sorvete chegou
aos Estados Unidos em 1770, levado pelo italiano Giovanni Bosio, e conquistou o
paladar dos norte-americanos rapidamente. Lá, a história dos sorvetes ganhou
importantes capítulos e o país se transformou no principal produtor e maior
consumidor desta iguaria no mundo.
Em
1846, a norte-americana Nancy Johnson inventou um congelador que funcionava com
uma manivela que, quando girada manualmente, agitava uma mistura de vários
ingredientes. Na parte de baixo, havia uma camada de sal e gelo, que a
congelava. Era a precursora das primeiras máquinas industriais de sorvete.
Dois momentos
marcaram o desenvolvimento do sorvete nos Estados Unidos e, conseqüentemente,
no mundo: o primeiro em 1851, quando o leiteiro chamado Jacob Fussel, para
aproveitar o excedente de sua produção de leite, abre em Baltimore a primeira
fábrica de sorvetes, produzindo em maior escala e sendo, também, seguido por
outros em Washington, Boston e New York; e o segundo, com a invenção, entre
1870 e 1900, da refrigeração mecânica, permitindo a produção de gelo
independente do processo natural. É nesse momento, que o sorvete ganha mais
espaço na sociedade, passando de um alimento proibido a uma sobremesa comum,
presente em nosso cotidiano.
Foram sorveteiros
norte-americanos que, no fim do século 19, criaram três receitas, o sundae, a
banana split e o ice cream soda, que fazem sucesso até hoje e são ícones da
cultura do país. Em 1904, durante a Feira Mundial de St. Louis, outro
acontecimento inusitado resultou na invenção da casquinha. Um sorveteiro, vendo
esgotar-se o estoque de pratos, resolveu servir seu produto nos waffles do
estande vizinho.
Já o picolé foi
inventado em 1905, na Itália, por um menino de 11 anos chamado Frank Epperson,
que esqueceu no quintal um copo de refresco com uma colher dentro durante uma
noite de inverno. De manhã, ele notou que a bebida e a colher haviam congelado
juntas. Em 1920, um fabricante de Ohio, Harry Burt, pôs a venda o primeiro
picolé dos Estados Unidos. No mesmo ano, Christian Kent Nelson lança o Eskimo
Pie, o primeiro picolé recoberto de chocolate norte-americano.
Em 1938, J. F. McCullough e seu filho Alex McCullough
inventaram um tipo de sorvete mais leve. Eles descobriram que misturando os
ingredientes antes do congelamento, o sorvete ficaria muito mais leve e
saboroso.
No Brasil
Foram os cariocas os primeiros brasileiros a experimentar a
delícia gelada que já fazia sucesso em boa parte do mundo. No dia 23 de agosto
de 1834, Lourenço Fallas inaugurava na cidade do Rio de Janeiro, na época a
Corte real portuguesa, dois estabelecimentos - um no Largo do Paço e outro na
Rua do Ouvidor - especialmente destinados à venda de gelados e sorvetes. Para
isso, importou de Boston (EUA), pelo navio americano Madagascar, 217 toneladas
de gelo, que aqui foi conservado envolto em serragem e enterrado em grandes
covas, mantendo-se por 4 a 5 meses. Não demorou muito para os sorvetes
brasileiros ganharem um toque tropical, misturados a carambola, pitanga, jabuticaba,
manga, caju e coco.
Na época, não havia como conservar o sorvete gelado, por
isso ele tinha que ser consumido logo após o preparo. Por isso, as sorveterias
anunciavam a hora certa de tomá-lo.
Em São Paulo, a
primeira notícia de sorvete que se tem registro é de um anúncio no jornal A
Província de São Paulo, de 4 de janeiro de 1878, que dizia: "Sorvetes -
todos os dias às 15 horas, na Rua direita nº 14".
No Brasil, antes do sorvete, as mulheres eram proibidas de
entrar em bares, cafés, docerias, confeitarias... Para saboreá-lo, entretanto,
a mulher praticou um de seus primeiros atos de rebeldia contra a estrutura
social vigente, invadindo bares e confeitarias, lugares ocupados até então
quase que exclusivamente pelos homens. Por isso, entre nós, o sorvete chegou a
ser considerado o precursor do movimento de liberação feminina.
A evolução do sorvete no Brasil, deu-se a passos curtos, de
forma artesanal, com uma produção em pequena escala e em poucos locais. A
distribuição em escala industrial no País só aconteceu a partir de julho de
1941, quando, nos galpões alugados da falida fábrica de sorvetes Gato Preto, na
cidade do Rio de Janeiro, foi fundada a U.S. Harkson do Brasil, a primeira
indústria brasileira de sorvete. Contava com 50 carrinhos, quatro conservadoras
e sete funcionários. Seu primeiro lançamento, em 1942, foi o Eski-bon, seguido
pelo Chicabon. Seus formatos e embalagens são revolucionários para a época.
Dezoito anos mais tarde, a Harkson mudou seu nome para Kibon.
Desde então, a população foi se tornando cada vez mais
adepta: Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Sorvetes (ABIS)
apontam que 957 milhões de litros de sorvete foram produzidos no Brasil até o
final de 2008. Mesmo assim, apesar do clima tropical tão propício ao consumo do
sorvete, a taxa nacional per capita é de 4,98 litros/ano, baixo se comparado
aos países nórdicos, de clima frio, onde se toma sorvete o ano inteiro e o
consumo gira em torno de 20 litros por pessoa. Para incentivar o consumo do
sorvete no Brasil durante todo o ano, e não só no verão como é hábito no País,
a ABIS instituiu, desde 2003, o dia 23 de setembro como o Dia nacional do
Sorvete.